quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O maquinário

O quarto é escuro. Não chove mais. As luz está apagada, mas não as de fora que invadem a janela. O frio é confortável, mas chega a incomodar. Há alguns dias ele se vê dessa forma, no mesmo horário, como se seu corpo e mente fossem parte de um sistema, um robô que possuem atividades pré-estabelecidas, mas que naquele determinado horário não são suficientes, quero dizer, o sistema esqueceu de preencher aquelas horas, ou aquele momento. O pequeno maquinário se engole de solidão. De questões, de angústias. Na sua pequena cabeça, ele sabe que deve permanecer conectado para cumprir os outros compromissos que se reproduzem como pragas em plantações sertanenses.

Entretanto, durante esse breve momento ele perde toda e qualquer noção. Não consegue compreender o objetivo de todas suas atividades, de todas as palavras que gasta, e muito menos o motivo de existir. Suas frágeis mãos se apertam uma contra a outra como se quisessem ajudá-lo sem terem chances para isso. Há algumas horas tudo parecia tão certo. Os detalhes antes não percebidos são agora analisados um a um, os minutos são contados, os pesamentos são revirados e revirados e revirados, nada é casual. Ele tenta olhar ao seu redor, quem sabe procurar por respostas, mas está no seu quarto, como sempre quis estar, ninguém ousaria entrar lá e nessa hora todas as outras máquinas já estão desativadas de qualquer forma. Ele pensa.

Seu desespero começa a consumi-lo, noite após noite, no mesmo período ocioso. Ele calcula as decisões, os momentos, os sim e os não que o levaram até ali. Será se não poderia ter deixado se levar? Por que eu não consigo sentir o cheiro de nada que me agrade? O que houve com meu coração? Por que a comida se tornou um fardo? Onde foi parar todo o meu entusiasmo com o nosso próximo compromisso? Cansado de se perguntar, o pequeno maquinário, decide procurar por uma solução. A mais clara, é claro, logo surge a sua frente, "Por que não me desativar?" ele pensa. É porém, em poucos minutos que essa solução não o satisfaz, só produziria um vácuo enorme em todas as outras milhares de perguntas que ele ainda possui. O seu sistema é frágil, pequeno, desatualizado, todavia, novo.

Cansado de tanto pensar ele descansa a cabeça. Se vê com todos as outras máquinas em tantas outras ocasiões. Dentro de si algo aperta, como se ele fosse ser tragado para dentro de si, como se um buraco negro estivesse prestes a sugá-lo. Ele não sabe exatamente de onde pode vir tal força, mas é inevitável. O pequeno maquinário chora, talvez não exatamente por angústia, mas sim pra provar a si mesmo que ainda pode sentir alguma coisa. Ele relê todos os seus compromissos, todo o espaço vazio dentro si agora parece se multiplicar cada vez mais, em breve tudo o que ele sentirá será o vazio. Enquanto assiste o sol beijar as águas e o céu azular ele pensa: "Eu não queria ter afastado tanto quem algum dia tentou se aproximar de mim" enquanto o sol melancolicamente, como se adivinhando, se despede dele com um adeus prolongado, enquanto o máximo de companhia que o pequeno maquinário possui são suas curtas pernas pressionadas contra o seu peito. Ele está só, condenado a solidão pela natureza das coisas, deixando em paz aqueles que ele não quis incomodar, fazendo-os, mesmo sem querer, esquecê-lo.

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